Mais que genética: estudo global revela que poluição, desigualdade e instabilidade política aceleram envelhecimento

 

Países europeus e da Ásia apresentaram um envelhecimento mais lento, enquanto o Egito e a África do Sul, mais rápido — Foto: Adobe Stock


Porto Velho, Rondônia - Uma pesquisa científica internacional publicada recentemente na revista "Nature Medicine" aponta que o envelhecimento humano está cada vez mais condicionado a fatores sociais, ambientais e políticos do que exclusivamente à genética ou ao estilo de vida individual. O estudo analisou dados de 161.849 pessoas de 40 países, incluindo o Brasil, e demonstrou que poluição atmosférica, instabilidade política, desigualdade social e corrupção estão entre os principais elementos que aceleram o envelhecimento biológico e cognitivo da população.

A pesquisa contou com a colaboração de 41 cientistas de diferentes continentes, como América Latina, Europa, África e Ásia, e teve participação de pesquisadores brasileiros, com destaque para representantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Contexto e metodologia

Utilizando modelagem epidemiológica e inteligência artificial, os pesquisadores avaliaram as chamadas Diferenças de Idade Biocomportamental (BBAGs) — um indicador que mede a diferença entre a idade cronológica de uma pessoa e sua idade biológica prevista, considerando fatores como saúde física, cognição, escolaridade, condições funcionais e presença de comorbidades, como doenças cardiometabólicas e deficiências sensoriais.

Segundo o estudo, países da Europa e da Ásia apresentaram envelhecimento mais lento, enquanto regiões como Egito e África do Sul apresentaram os mais altos índices de aceleração do envelhecimento. O Brasil ficou em uma posição intermediária, com variações marcadas por desigualdades internas e contextos regionais diversos.

Resultados e impactos sociais

Entre os fatores diretamente relacionados ao envelhecimento acelerado, destacam-se:

Má qualidade do ar e exposição prolongada à poluição;

Desigualdade de renda e de gênero;

Instabilidade democrática, com restrições à liberdade de expressão, direitos de voto limitados e governança frágil;

Altos índices de corrupção e falhas institucionais.

De acordo com Agustín Ibanez, um dos autores do estudo, “nossa idade biológica reflete o mundo em que vivemos. A exposição ao ar tóxico, à desigualdade e à instabilidade política não apenas afeta a sociedade, mas molda diretamente nossa saúde”.

Participação brasileira e implicações

O professor Eduardo Zimmer, da UFRGS, coautor da pesquisa, reforça a relevância dos achados:

“Os resultados mostram de maneira marcante que o local onde vivemos pode nos envelhecer de forma acelerada, aumentando o risco de declínio cognitivo e funcional. Em um país desigual como o Brasil, esses achados são extremamente relevantes para políticas públicas”.

Já o pesquisador Wyllians Borelli, também da UFRGS e apoiado pelo Instituto Serrapilheira, explica que o impacto da desigualdade no cérebro humano é um reflexo da disparidade no acesso à saúde e aos recursos sociais.

“Viver na Europa, na África ou na América Latina tem níveis diferentes de impacto no envelhecimento por causa da disparidade na disponibilidade de recursos e acesso à saúde”, afirmou.

Outro pesquisador brasileiro que contribuiu com o estudo, Lucas da Ros, também da UFRGS, destacou que os resultados apontam a necessidade de o Estado priorizar o combate às desigualdades em vez de focar exclusivamente em fatores de risco individuais.

“Autoridades de saúde devem priorizar a diminuição das desigualdades sociais e o desenvolvimento regional para promover um envelhecimento populacional mais saudável”, defendeu.

Governança e saúde pública

O estudo aponta que altos índices de corrupção, baixa qualidade democrática e polarização política estão fortemente associados ao declínio cognitivo populacional. A instabilidade política compromete não apenas a coesão social, mas também a alocação adequada de recursos públicos para a saúde e educação, agravando o quadro de vulnerabilidade de determinadas populações.

Além disso, os cientistas alertam para os efeitos prolongados da exposição a contextos políticos instáveis, os quais podem induzir estados crônicos de estresse que, por sua vez, provocam declínio cardiovascular e cognitivo.

A pesquisa reforça uma mudança de paradigma no entendimento sobre o envelhecimento. Tradicionalmente associado à herança genética ou aos hábitos de vida, o avanço da idade é agora compreendido como um processo profundamente influenciado por condições externas, como políticas públicas, qualidade ambiental e equidade social.

Os pesquisadores defendem que estratégias governamentais voltadas à melhoria das condições de vida e redução das desigualdades são fundamentais para promover um envelhecimento mais saudável e equitativo.

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